06-10-2015
Enfermeiro sobrevivente narra ataque ao hospital afegão de Kunduz
Enfermeiro da organização Médicos Sem Fronteira (MSF), Lajos Zoltan Jecs estava no hospital afegão de Kunduz, bombardeado no sábado 3/10

Foi absolutamente aterrorizante.

Eu estava dormindo na sala de segurança do hospital. Por volta das 2h, fui acordado com o som de uma grande explosão próxima. A princípio não sabia o que estava acontecendo. Ao longo da última semana, ouvimos bombardeios e explosões, mas era sempre mais distante. Esta era diferente, próxima e alta.

No início houve confusão, e poeira assentando. Enquanto tentávamos entender o que estava acontecendo, houve mais bombardeios.

Depois de 20 ou 30 minutos, ouvi alguém chama meu nome. Era um dos enfermeiros da sala de Emergência. Ele tinha um traumatismo grande no braço, estava coberto de sangue, com feridas sobre todo o corpo.

Neste ponto meu cérebro simplesmente não conseguia processar o que estava acontecendo. Por uma segundo eu fiquei paralisado, chocado.

Ele estava pedindo ajuda. Na sala de segurança temos um estoque limitado de suprimentos médicos básicos, mas não havia morfina para aliviar sua dor. Fizemos o possível.

Não sei exatamente quanto tempo depois, talvez meia hora depois de cessarem os bombardeios, eu sai com o coordenador do projeto para ver o que tinha acontecido.

O que vimos foi o hospital destruído, em chamas. Não sei o que senti, eu estava novamente em choque.

Nós fomos em busca de sobreviventes. Uns poucos já haviam chegado a uma das salas de segurança. Uma a uma, as pessoas foram aparecendo, feridas, incluindo alguns de nossos colegas e cuidadores.

Tentamos olhar um dos prédios em chama. Não consigo descrever o que estava lá dentro. Não há palavras para dizer como era horrível. Na Unidade de Terapia Intensiva seis pacientes queimavam em seus leitos.

Nós procuramos alguns profissionais que supostamente estavam na sala de operações. Foi horrível. Um paciente na mesa de operações, morto, no meio da destruição. Não conseguíamos achar o pessoal. Felizmente depois soubemos que escaparam da sala de operações e encontraram um local seguro.

Lá perto, nós vimos o departamento de internações. Por sorte, intocado pelo bombardeio. Nós rapidamente checamos que todos estavam ok. E em um bunker seguro ao lado, todos estavam ok também.

Foi insano. Nós tivemos que organizado um plano de causalidades em massa no escritório, vendo que médicos estavam disponíveis para ajudar. E fizemos uma cirurgia urgente para um dos nossos médicos. Infelizmente, ele morreu na mesa de cirurgia. Nós fizemos nosso melhor, mas não foi suficiente.

A situação toda era muito dura. Nós vimos nossos colegas morrendo. Nosso farmacêutico…! Eu estava falando com ele ontem à noite, planejando estoques, e ele morreu lá na nossa sala.

Os primeiros momentos foram apenas caos. Bastantes dos nosso pessoa havia sobrevivido, então pudemos ajudar os feridos com ferimentos tratáveis. Mas havia muitos que não podíamos ajudar. Nós apenas tratamos pessoas que precisavam de tratamentos, e não tomamos decisões. Que decisões poderíamos tomar em meio ao medo e o caos?

Alguns dos colegas estavam em grande choque, chorando e chorando. Eu tentei encorajar parto do pessoal a ajudar, dando-lhes algo para se concentrar, para tirar suas mentes daquele horror. Mas alguns estavam chocados demais para fazer algo. Ver homens adultos, seus amigos, chorando incontrolavelmente – isto não é fácil.

I estou trabalhando aqui desde maio e vi muitas situações clínicas pesadas. Mas é completamente diferente quando são seus colegas, seus amigos.

Essas pessoas estavam trabalhando duro há meses, sem parar na última semana. Eles não tinham ido para casa, não tinham visto suas famílias, eles apenas tinham estado trabalhando no hospital para ajudar pessoas… e agora estavam mortos. Estas pessoas são amigos, amigos próximos. Eu não tenho palavras para expressar este sentimento. É indizível.

O hospital tem sido meu local de trabalho e meu lar por vários meses. Si, era apenas um prédio. Mas era muito mais do que isto. Era o cuidado de Saúde em Kunduz. Agora se foi.

O que se passa em meu coração desde este manhã é que isto é completamente inaceitável. Como isto pode acontecer? Quais os benefícios disto? Destruir um hospital e tantas vidas, por nada? Eu não consigo achar palavras para isto.”

 

Fonte: MSF (traduzido por Ascom-Cofen)