03-09-2020
Governo tem poder de tornar vacinação obrigatória e dever de incentivá-la

Presidente afirmou que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina", no entanto a legislação brasileira já prevê diversas hipóteses de vacinação obrigatória; leia reportagem da BBC Brasil

Na terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, em referência a uma possível futura campanha de vacinação contra a Covid-19.

A declaração foi criticada por médicos, infectologistas e constitucionalistas: segundo eles, desestimular a vacinação é inconstitucional e pode trazer graves prejuízos ao combate à pandemia e outras doenças.

A fala de Bolsonaro foi publicada nas redes sociais pela Secretaria de Comunicação do governo. “O Governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina. Recursos para estados e municípios, saúde, economia, TUDO será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”, escreveu o órgão, no Twitter, acompanhado por um banner com a frase do presidente e os dizeres de que o governo “preza pela liberdade dos brasileiros”.

Brasil já registrou mais de 122 mil mortes por Covid-19, além de quase 4 milhões de infecções.

Se por um lado a fala de Bolsonaro pode incentivar ainda mais o crescimento do movimento antivacina, dizem médicos, por outro ela está equivocada e seria inconstitucional, segundo constitucionalistas ouvidos pela BBC News Brasil.

A Constituição brasileira permite, sim, que o governo crie mecanismos para obrigar que as pessoas se vacinem — não só pode, como tem o dever de fazê-lo, explica Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Isso porque, em casos como esse, a Justiça coloca na balança dois direitos: de um lado, a liberdade individual e, de outro, a saúde pública — e, no caso de epidemias de doenças que são uma clara ameaça à saúde pública, como a Covid-19, o direito à saúde pública é prevalente, afirma Dias.

“Nenhum direito fundamental é absoluto, ou seja, o direito à liberdade não é absoluto a ponto de estar acima do direito à saúde das outras pessoas”, afirma a professora de direito constitucional Estefânia Barbosa da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Há diversos dispositivos na legislação brasileira que permitem a vacinação obrigatória — da Constituição a uma lei assinada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em fevereiro, a Lei 13.979, que autoriza autoridades a tomar medidas como tornar compulsória a vacinação.

Direito de todos, dever do Estado

Caso a ciência encontre uma vacina efetiva e segura contra a Covid-19, o governo tem não só a possibilidade como o dever de incentivar a aplicação e torná-la disponível aos brasileiros, explica Dias. Isso porque o Artigo 196 da Constituição Federal determina que saúde é um direito de todos e um dever do Estado.

O Estado tem obrigação constitucional de implementar políticas sociais que visem à redução do risco de doenças, afirma Dias.

“Num momento como esse, em que vacinas, desde que tenham passado por todos os testes e sejam recomendadas pelas autoridades de saúde, serão possivelmente a melhor resposta para a pandemia, o governo tem a obrigação de divulgar, incentivar e garantir uma política pública ampla de vacinação” afirma Roberto Dias.

Por isso, defende o constitucionalista, falas do presidente que desestimulem a vacinação ferem esse dever e são inconstitucionais.

“A dimensão objetiva do direito à saúde significa que o poder público tem o dever de garantir esse direito a todos, independentemente de pleitos individuais ou coletivos”, explica Estefânia Barbosa, professora de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

 

Fonte: BBC Brasil